A privada que não usa água e ainda recicla seu conteúdo virou uma bandeira contra o desperdício
Por Andres Vera
O vaso sanitário como o conhecemos pode estar com os dias contados. Se depender de um grupo de ecologistas que está fazendo barulho contra as privadas atuais, no futuro nenhuma gota de água será desperdiçada e, como bônus, todos terão fertilizante grátis para o jardim. Como? Simples. Vá ao banheiro, faça o que precisa ser feito e, em vez de dar a descarga, carregue uma pá com serragem para despejar no fundo do vaso sanitário. Em condições ideais de umidade e temperatura, essa mistura vai se decompor e virar adubo dentro de um compartimento sob a própria privada.
"O único problema contra a compostagem humana é o preconceito", diz o escritor e marceneiro americano Joseph Jenkins, de 57 anos, principal porta-voz do "sanitário seco", também conhecido como "sanitário de compostagem" (o nome técnico da decomposição de matéria orgânica para a produção de adubo). Jenkins ficou conhecido como Mr. Humanure (trocadilho com human, "humano", e manure, "excremento").
O grande trunfo do sistema é evitar a contaminação da água. É com essa bandeira ambiental que Jenkins vende a ideia do cocô reciclado. Seu livro Humanure handbook: a guide to composting human manure (algo como Manual para compostar excremento humano) faz sucesso entre ambientalistas.
Depois do livro, algumas iniciativas surgiram nos Estados Unidos para colocar a ideia em prática. Em julho, a ONG Rizhome Collective ganhou uma licença para construir o primeiro banheiro ecológico "oficial" do Texas. Parte da população achou a ideia nojenta. Mas um argumento derrubou a resistência: o sanitário seco economizaria energia gasta no tratamento de água e esgoto. A prefeitura cedeu. Na Califórnia, a empresa McPoop (em inglês, poop é cocô) fez um acordo para montar banheiros secos em eventos públicos. Para convencer a vigilância sanitária, usaram o argumento de que um banheiro químico é a versão moderna da fossa medieval.
E qual é o cheiro do sanitário seco? Supostamente, nenhum. Quando o sistema funciona corretamente, uma reação química entre o nitrogênio das fezes e o carbono da serragem cria uma mistura estável e inodora. Para convencer as pessoas a aderir ao W.C. seco, ativistas fizeram em Chicago, nos EUA, uma experiência. Propuseram o uso do banheiro seco a 35 vizinhos: 22 deles aceitaram. O resultado foi uma "doação" de mais de 7 mil litros de excremento. No Brasil, já existe uma iniciativa: em Pirenópolis, Goiás, o Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado criou um projeto de nome sugestivo: Húmus Sapiens. São banheiros secos, de alvenaria, que custam metade do valor de um banheiro tradicional.
Nenhuma dessas ideias, no entanto, prenuncia a abolição da descarga. "A maioria das leis sanitárias diz que você deve se livrar dos dejetos humanos", diz Jenkins. "Isso impede projetos em larga escala." Outro entrave é a necessidade, no caso dos sanitários secos compactos, de um compartimento externo para a compostagem propriamente dita. Num apartamento pequeno, a reciclagem de fezes é inviável. Ao menos para quem não quer encrenca com a vigilância sanitária.
A ideia do sanitário seco é antiga. Em 1869, impressionado com o perigo de contaminação das fossas abertas, o padre inglês Henry Moule criou um sanitário seco parecido com os atuais. Com a invenção da válvula de descarga, no início do século XX, o sanitário seco caiu em desuso. Mas os discípulos de Moule ainda existem. Joseph Jenkins é um deles. Além de escrever, ele vende seus próprios sanitários compactos. Com aparência de um cubo de madeira, custam R$ 350. O assento acolchoado é opcional.
Fonte: Revista Epoca on line
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