Por Claudio Tieghi*
Para reciclar, muitas vezes o pequeno empresário precisa da ação do poder público, já que faltam recursos próprios para o transporte e a destinação dos resíduos. Só que isso atrasa ou até inviabiliza o projeto
Em nossa última conversa aqui na Pequenas Empresas & Grandes Negócios, mencionei o livro Plano B 4.0 – Mobilização para salvar a civilização, do ambientalista norte-americano Lester Brown, que propõe quatro eixos de trabalho para evitarmos um colapso da civilização.
Entre os eixos propostos por Brown, está a criação de metas sustentáveis para a economia através da substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia, da diversificação dos meios de transportes - principalmente os coletivos - e da reciclagem de tudo o que for produzido.
A necessidade de se implementar a coleta seletiva e a reciclagem não é novidade. Tanto que o Projeto de Lei (PLS 354/89) que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovado no último dia 7 de julho, tramitava no Congresso Nacional há quase 20 anos. Após ser sancionado, levará mais quatro anos para começar a ser colocado em prática.
Desde que a lei foi apresentada no Congresso, em 1989, o PLS só começou a ser discutido em 1991. Até o início de sua implementação, terão transcorridos 25 anos. Isso mesmo, um quarto de século! Esse abismo entre a realidade social e a burocracia política levou empresas e associações mais conscientes a fazerem valer seus próprios projetos de logística reversa e reciclagem, agora previstos na nova lei. Brown também nos alerta para esse descompasso entre a velocidade do poder público e as demandas socioambientais.
Temos aqui um exemplo claro: quando a rede supermercadista Pão de Açúcar decidiu tornar suas lojas em pontos de coleta seletiva, contratou o Instituto Brasileiro de Reciclagem, uma Oscip com grande expertise nesse negócio que pertence à empresa de embalagem pós-consumo BR+10 para operar toda a logística de destinação do material. E o fez com grande êxito e o máximo de independência.
Mas o pequeno empresário não disporia de todos os recursos necessários para superar esses gargalos, como o transporte e a destinação adequados. Ele dependeria, portanto, da ação do poder público, o que atrasaria ou até inviabilizaria o projeto.
Um exemplo dos problemas acarretados por esse descompasso foi vivenciado pela Associação Franquia Sustentável (Afras). Em 2007, junto com moradores e franquias da região do bairro do Morumbi, na cidade de São Paulo, a entidade criou o movimento Recicla Morumbi.
Para quem é de fora de São Paulo, o Morumbi é conhecido por abrigar grandes mansões e muitas pessoas famosas. Mas a região compreende também bairros de classe média, como a Vila Sônia, Vila Andrade, Real Parque, além de 330 comunidades carentes, como Paraisópolis (80 mil habitantes) e Jardim Colombo (17 mil habitantes). Cerca de 10% do total de favelas paulistanas estão localizadas ali. Dos 200 mil habitantes da área, cerca de 100 mil estão nas favelas. A ideia da Afras era promover uma ação em prol do meio ambiente ao mesmo tempo em que ajudasse a diminuir tanto contraste.
Hoje, o Recicla Morumbi consegue destinar 120 toneladas de recicláveis a uma cooperativa na cidade de São Paulo. Esse material garante 40 novos postos de trabalho que conferem uma renda individual mensal de R$ 800. Se fosse, entretanto, criada uma cooperativa dentro de Paraisópolis, o potencial de coleta no bairro poderia chegar a 3 mil toneladas, fazendo circular renda e novas oportunidades dentro do próprio bairro. Poderia, por exemplo, ser criada uma creche e um centro de capacitação profissional de mulheres em artesanato para que elas pudessem trabalhar em casa e acompanhar de perto o crescimento de seus filhos.
No que diz respeito ao universo do varejo e do consumo, o pequeno empresário sabe que cada vez mais será cobrado pela comunidade para oferecer produtos sustentáveis e uma gestão responsável. Ele, mais do que ninguém, tem consciência de que deverá investir esforços para consolidar uma nova mentalidade dentro da sua área de influência.
E nesse processo, seus fornecedores, em geral grandes empresas, que naturalmente também assumirão compromissos com base na lei recentemente aprovada, podem assumir um novo papel, minimizando os efeitos da morosidade da administração pública. É possível e, sobretudo, necessário reconfigurar as relações empresarias para um verdadeiro ganha-ganha onde o meio ambiente e as pessoas sejam de fato considerados.
*Claudio Tieghi é presidente da Associação Franquia Sustentável (Afras) e coordenador de responsabilidade social da Rede Yázigi Internexus
Fonte: PEGN
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