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A arte contra o fluxo social do lixo

Por Larissa Seixas

Prades já realizou diversas intervenções nas ruas
de São Paulo/Foto: Acervo pessoal

Jaime Prades aprendeu a questionar o papel do artista na sociedade ainda jovem, quando se reunia com um grupo de amigos na década de 80, período brasileiro de transição entre a ditadura e a democracia. Com o TUPINÃODÁ, grupo paulista que realizou as primeiras grandes pinturas nos túneis de São Paulo e serviu de expoente para o movimento do graffitti que surgiria nos anos 1990, Jaime entendeu que o caminho para uma intervenção artística independe da grande repercussão e seguiu criando sua arte, sempre ligada com a natureza e a preservação do planeta.

Durante mais de 25 anos de carreira, mesmo passando por um período de estudos e projetos criados em ateliê, Jaime realizou diversas intervenções urbanas artísticas que abordam a temática do meio ambiente, sempre buscando mudar a mentalidade das pessoas frente aos problemas do mundo. Inspire-se com esse papo-cabeça de um artista que segue na contramão da sociedade.

Portal EcoD - Quando você começou a prestar atenção às questões socioambientais e relacioná-las ao seu trabalho?

Jaime Prades - Desde o início da minha carreira a motivação artística está voltada para o coletivo. Faço parte da geração que viveu a transição da ditadura militar para o regime democrático. O Brasil de 25 anos atrás era bem diferente do que é hoje, estávamos muito isolados do resto do mundo.
 
Arte nas ruas de São Paulo, em 1987/Foto: Acervo pessoal
Com o grupo que frequentava, estudávamos e discutíamos alguns artistas mais irreverentes da linhagem antropofágica como Flavio de Carvalho e contemporâneos como Lygia Clark e Hélio Oiticica que nos legaram a inquietude sobre o papel do artista, o re-significado sobre o sentido da arte e o conflito entre público e privado. Quando penso no contexto desse momento e, graças ao distanciamento destes anos, percebo que foi na década de 80 que os ingredientes da transformação para uma cultura global misturaram-se com os da transformação interna que vivíamos pela conquista da democracia.

Por causa dessa realidade, ir para a rua para interferir com a nossa arte e conquistar o espaço público era o nosso maior desafio. Foi o que fizemos. A experiência das ruas nos ensinou que o caminho de uma ação artística independe de grande repercussão. Naquele momento, a arte de rua foi poderosamente transgressora e, a partir de São Paulo, criou uma nova cara para um novo Brasil.

Já na virada da década, em 1991, você realizou uma intervenção no rio Tietê. Como surgiu essa ideia?

O projeto que criei em parceria com Miguel Paladino foi escolhido pelo SESC Interlagos que tinha promovido um concurso procurando propostas para ações que chamassem a atenção para a situação dos principais rios de São Paulo, o Tietê e o Pinheiros.

Intervenção artística às margens do rio Tietê
em 1991/Foto: Acervo pessoal
Foram instaladas 80 placas com grupos de animais que viveram nas suas margens: antas, pássaros, jacarés entre outros. A repetição era um recurso para conquistar o olhar dos motoristas que passavam pela Marginal em velocidade.

Os bichos representados em preto e branco eram evocações desses seres que existiram ali quando a natureza ainda estava intocada. Essa falta de cor trouxe dramaticidade ao projeto que tocava na impossibilidade de vida nesse ambiente destruído e envenenado.

A instalação aconteceu durante os meses de Outubro e Novembro de 1991. Esse trabalho antecipou em quase 20 anos as intervenções que estou fazendo agora.

De onde vem essa insatisfação com as ações do homem sobre o meio ambiente?

Do lixo! De observar nossos hábitos coletivos com os resíduos e de como nos comportamos em relação ao que descartamos. O que vejo nas ruas das cidades é um caldo contaminado de todos os tipos de restos misturados. Pilhas com restos de comida apodrecendo juntos na rua... Pneus, sofás, armários jogados nos córregos... Bitucas, papéis, plásticos sendo varridos pelas chuvas que inundam tudo por causa dos bueiros entupidos de lixo... Merda de cachorro dentro de plásticos fechados apodrecendo ao sol... Restos de computadores, móveis, entulho, papelão, triturados e misturados com material orgânico nas caçambas urbanas... Madeiras, muita madeira no lixo, o que sobra das nossas florestas... E, também vejo gente jogada no lixo.

Prades utiliza restos de madeira em suas
esculturas/Foto: Acervo pessoal
Como você enxerga a posição da população frente a isso? Você acha que as pessoas não se sentem responsáveis por toda essa sujeira no mundo?

A questão é que as pessoas maltratam muito o espaço coletivo, e acabam maltratando um espaço que é delas. Uma das minhas grandes questões é por que a gente tem tão pouco carinho pelo coletivo. O lixo reflete essa questão das pessoas sobre o que fazer e como se comportar com o meio ambiente, porque não é algo que se possa jogar a responsabilidade para terceiros. É uma questão de sem informar e pensar na reciclagem e na redução do desperdício de materiais como ações positivas para a própria pessoa.

O hábito de jogar lixo na rua é algo muito agressivo. Eu gostaria que a cidade fosse limpa, mas é impressionante a quantidade de lixo que se encontra. Acabei de passar hoje aqui na pracinha ao lado da minha casa e catei coisas que estavam jogadas no chão.

Você acha que essas ações de conscientização devem partir dos cidadãos ou de organizações e governo?

Acho que devem ser ações do governo, de cidadãos, da família, de todos. É algo gerado pela ausência de ações em todos os níveis, desde o pai que tem o hábito de jogar as coisas em qualquer lugar, ou uma família que já nasce no meio do lixo porque é pobre, ou por arrogância, daquelas pessoas que têm dinheiro e também desprezo por outras pessoas.

A coleta seletiva precisa ser estruturada e implantada a nível nacional. A sociedade civil tem que se organizar em torno dessa questão e lançar esse desafio aos governos federal, estaduais e municipais. É uma grande oportunidade de criar consciência e ação ambiental a partir da realidade mais próxima de cada um. A reciclagem deveria ser tema prioritário com grandes campanhas nacionais educativas de separação e compostagem caseira. Qualquer cidade pode produzir milhares de toneladas de composto orgânico caseiro que poderia ser utilizado para adubar terras infertéis, recuperar áreas de florestas etc.

Intervenção na periferia de São Paulo, em 2007/Foto: Acervo pessoal
Me parece que as grandes questões ambientais como o aquecimento global, a elevação dos oceanos, o desmatamento, as queimadas, a contaminação da água, da terra e do ar, as fontes de energia suja, dos agrotóxicos, dos transgênicos, só para citar algumas, são problemas numa dimensão tão grande que parecem insolúveis, ou que a solução virá de algum lugar inacessível para os comuns mortais - o que impede qualquer tipo de ação dos mesmos. E, assim estamos olhando os jornais, as TVs, a Internet assistindo o mundo através de alguma lâmpada. Esse "mundo" visto através dos monitores cria uma sensação de "segurança" que, contraditoriamente, ao mesmo tempo em que nos mantém tensos, nos perpetua no papel passivo de plateia.

Como esse modo de ver o mundo afeta você?

Eu praticamente virei um lixeiro, passo o dia recolhendo as coisas na rua, nas praias. Em vez de ficar ali xingando alguém e emanando energia negativa, eu vou e cato. E isso reflete também no modo como as pessoas te tratam, elas chegam e param para conversar, há uma troca de carinho, compaixão e amor. Porque no fundo, somos todos vítimas de nós mesmos.

Quando eu comecei a fazer um trabalho aqui na esquina ao lado da minha casa, a gente criou uma rede, um vínculo entre os vizinhos. Eu passei a conhecer quem morava ao meu lado, passei a frequentar a residência de outras pessoas, estabelecemos um relacionamento. O resultado disso é que as pessoas passaram a ter identidade, a ter nomes, a serem reais.

Toda essa questão de ir contra o fluxo social está ligada também com o que eu tento fazer com a minha arte. Essa limpeza e tentativa de conscientização que eu faço nas ruas é um reflexo do que eu busco para a minha vida, um modo de fazer uma limpeza também interna. Por exemplo, nem eu nem minha mulher comemos bicho. Nós percebemos que a comida que a gente come interfere no modo como a gente pensa. Já faz um tempo que não comemos carne e, assim, nos sentimos mais leves.

E essa é a hora de começar a agir. Para mim, a gente vive em um momento que se alguém tiver que fazer alguma coisa para fazer ou para dizer, faça e diga, porque é urgente.
Esquina da Rua Soledade/Foto: Acervo pessoal
Em 2007, quando voltou às ruas para fazer uma intervenção na esquina de sua casa, Prades passou a relacionar a sua arte com a busca por um desenvolvimento crítico social. A partir daí realizou algumas ações periódicas.

"Esta esquina perto de onde moro é um típico "espaço residual urbano". É uma sobra de terreno que pertence à prefeitura, que não tem nenhum projeto de conservação desse tipo de área e as abandona sem promover o mínimo cuidado. Na época, em 2007, um grupo de moradores de rua acampou ali durante sete meses. Eles se mudaram, graças a ação de uma jornalista vizinha que fez com que uma incorporadora comprasse uma casinha para eles na periferia. Mas o espaço foi tomado por comerciantes e virou novamente depósito de lixo e entulho de pessoas que passavam por ali, e também de alguns moradores.

Quando os moradores de rua ainda estavam na esquina, alguém ateou fogo nos colchões que eles dormiam, colocando em risco a vida do casal que morava na casa ao lado. Eles acordaram com o gás, em plena madrugada, mas conseguiram sair e chamar os bombeiros.

Depois desses acontecimentos a esquina estava um lixo. Parecia um ser ferido, um retrato do descuido de tudo que é coletivo, do que é público. Decidi intervir. Meu primeiro ato foi retirar o entulho e cuidar da árvore que ficou seriamente ferida pelo incendio. Negociei com os comerciantes que a usavam e comecei a retirar o lixo diariamente. Em seguida fiz um grafite para dar uma "levantada" no lugar que rapidamente ficou muito diferente."

"Abrimos alguns canteiros, trouxemos terra e plantamos muitas mudas. A maioria delas foi roubada... Um pé de Mirra e dois tipo de Boldo resistiram e crescem protegidos pelo Chapéu de Sol que sobreviveu ao fogo. Um dia tive a ideia de pendurar perguntas escritas em uns pedaços de papelão que jogaram lá. Batizei a esquina com o nome de "Árvore das perguntas". Para contrastar com o lado lúdico dos desenhos, as perguntas eram fortes: "Porque tanta carência e tanto desperdício?", "Qual o alimento da sua alma?", Porque tanto descuído com o que é comum?" eram algumas delas.
Gilberto Dimenstein, colunista da Folha de São Paulo, soube do que estava fazendo e escreveu um artigo no jornal. A partir daí a esquina viveu seus 15 minutos de fama e as questões repercutiram para muita gente. Nesses quase três anos, tirei muito lixo de lá. Este é um pequeno exemplo do poder que temos de agir e trazer transformação com arte e criatividade. A vizinhança adora a esquina e criou uma discussão muito grande aqui no bairro."

"A partir dessas ações meu trabalho foi mudando. Minha motivação como artista foi se comprometendo com as questões envolvidas na dinâmica coletiva. Não tenho dúvidas que a crise ambiental que vivemos tem origem na falta de compreensão profunda sobre o que é a Vida, sobre o milagre de estar vivo e do equilíbrio da Natureza.
Essa "correção de rumo" que aconteceu com meu trabalho a partir da consciência e da ação resultou numa segunda intervenção urbana: As Lixeiras da Terra ou A Terra no Lixo. Adesivei uma série de ícones em 200 lixeiras da cidade de São Paulo, escolhi algumas avenidas importantes e as áreas centrais."

"Nas minhas andanças pelas ruas sempre percebi a quantidade de maderia jogada nos lixos, caçambas e nas ruas da cidade. Sob o meu olhar eu via os restos de árvores trituradas, mastigadas, que no seu último suspiro morriam publicamente. A partir desse momento decidi trabalhar com essas madeiras, para resgatá-las desse destino indigno. Criei o projeto Natureza Humana, que consiste em construir esculturas de árvores com essas madeiras catadas nas ruas. A primeira escultura que fiz foi no Festival de Inverno de Bonito, no Mato Grosso do Sul. Em setembro passado fiz a exposição Matilha Humana, na Matilha Cultural em São Paulo."

Fonte: Ecodesenvolvimento

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