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A origem e as festas do bairro do Santo Antônio Além do Carmo: uma parte significativa da História da Bahia

14/06/10
Por Ana Carla Nunes*
O bairro de Santo Antônio Além do Carmo traz no nome a idéia do crescimento urbano da Cidade, pois foi construído para além das Portas do Carmo. Na época da chegada dos primeiros Carmelitas Descalços à Bahia que se instalaram no Monte Calvário, em 1586, o bairro era conhecido como Portas de Santa Catharina.

O bairro de Santo Antonio é um dos bairros mais tradicionais, com um rico conjunto arquitetônico composto por igrejas, forte e lindos casarios de estilo barroco. A resistência dos antigos moradores em permanecer no local contribuiu para manter em boas condições os imóveis que integram o sítio histórico de Salvador, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), como patrimônio da Humanidade. Suas ruas revelam características de séculos passados e seus casarões nos contam uma parte da história da Bahia que precisa ser redescoberta e incluída nos livros e roteiros turísticos de visitação à cidade, para que possa haver um resgate de sua memória e esta memória ser transmitida às futuras gerações.



Todos os lugares no bairro guardam lembranças das épocas da História do Estado. O Forte, por exemplo, foi edificado em 1625 em homenagem ao negro Antonio que combateu sozinho, a pedradas, as tropas de Maurício de Nassau evitando a exploração Holandesa (1624). Por consequência deste ato, o Padre Antonio Vieira pregou um de seus sermões (1638) à beira de suas trincheiras. O mesmo lugar serviu de presídio para negros malês (em 1835), e foi, inclusive, local de nascimento do ator Xisto Bahia (1841).


Outro patrimônio que merece destaque por sua riqueza arquitetônica e artística é a Igreja de Nossa Senhora do Carmo que possui uma fachada do século XVII e seu interior é ricamente trabalhado em talha dourada. A Igreja, além de contar com belíssimos detalhes em sua estrutura, abriga um acervo com obras sacras de rara beleza.

Já no Pequeno Largo criado na Rua Direta, hoje muito freqüentado pela população devido aos bares ali instalados, encontramos o monumento da Cruz do Pascoal, que data de 1743. Esse monumento foi erguido em devoção à Nossa Senhora do Pilar pelo antigo morador do bairro Pascoal Marques, cuja imagem foi roubada há anos. Outra prova de devoção popular são os nomes curiosos dados às Ruas: Travessa dos Perdões, Largo do Santo Antonio, Beco do Padre Bento, entre outros. Edison Carneiro registra essa intervenção da religião na formação da cidade de Salvador como “um sinal da extrema beatice da época.”

As igrejas do Boqueirão, datadas do século XVIII, e a simplicidade barroca da Igreja do Santo Antonio Além do Carmo, situada no Largo do Triunfo, dão um contraste especial ao bairro. A Igreja da Venerável Ordem Terceira do Carmo, construída em 1632, possui história interessante. Ela pegou fogo em 1788 e sobre as cinzas ergueu-se outra igreja, em estilo neoclássico, concluída em 1884. Portanto, a Igreja da Ordem Terceira do Carmo que se conhece hoje, não é a mesma em estilo arquitetônico e artístico de sua primeira versão.

Por meio das histórias que envolvem o patrimônio arquitetônico da Bahia, voltamos às origens das festas brasileiras, em especial das Festas baianas, que têm em sua gênese as heranças das culturas portuguesas, indígenas e africanas, modificadas para atender a realidade social da época.

Com o crescimento das ordens religiosas e ordens terceiras de diferentes vertentes, os grupos sociais foram se ampliando em torno das atividades da igreja, refletindo na constituição de diversas camadas sociais e culturais dentro dos limites das ordens religiosas. Luiz Eduardo Dorea traça um panorama sucinto deste período no bairro de Santo Antonio Além do Carmo, hoje um dos espaços de maior especulação imobiliária da Cidade devido aos importantes fatos históricos que ocorreram no bairro:

As ordens terceiras do Carmo e de São Francisco agrupavam os moradores ricos da Cidade. Toda a vida social se desenvolvia em torno das atividades da Igreja. Eram prisões, missas, grandes funerais, festas religiosas, quermesses, etc.” (Dorea, 2006 p. 57)

Sobre as festas religiosas do bairro destacam-se os Festejos do Divino, que tiveram origem em Portugal, por volta de 1450, com a criação de Irmandades. Estes festejos alastraram-se por todos os países colonizados por Portugal. A Festa de Santo Antonio datada de 1231, também encontra sua origem em Portugal. Já a Festa cívica de Dois de Julho, que representa o início da Independência do Brasil, acontece com a organização de um cortejo popular que sobe a Ladeira do Boqueirão, e conta com a participação de pessoas vindas das mais diversas cidades do Estado. Sobre tais tradições, festejos e beleza da cultura popular na Bahia, recorremos a Zilda Paim, folclorista do Recôncavo baiano:

... que define que a arte popular nasce acidentalmente em todas as terras, todos os povos. As coisas populares são simples e belas, dispensam adornos ou complementos que as façam realçar, quanto mais simples, mais belo, quanto mais belo mais puro, através do sentimento popular vamos refletir a vida de um povo, os costumes, de uma raça, a história de um povoado, vila, cidade, estado ou nação. (1999, p. 15)

Em contrapartida, uma outra abordagem épica é realizada por Hildegardes Viana quando enfatiza a importância cultural das festas anuais da Cidade:

Naquele tempo, os meses se distinguiam também por certas coisas. Deixando de lado Dezembro, janeiro e fevereiro que constituíam o “tempo de festas” março era das grandes marés, abril das chuvas mil, maio das flores, junho das chuvas, julho do frio, agosto das ventanias, setembro das primaveras, outubro das trovoadas, novembro das almas. (Viana apud Oliveira, 2005, p. 7)

Dessa maneira, compreendemos que nosso povo, alegre e hospitaleiro está impregnado de heranças e legados culturais representados em nossos festejos religiosos, sagrados, profanos, culturais ou cívicos. Essas manifestações culturais populares reavivam parte de nosso passado e permitem que nossa história continue sendo escrita por pessoas de todos os tempos e etnias garantindo, assim, a manutenção da Cultura popular baiana.

Esse constante reescrever da história faz com que festejos como a Trezena de Santo Antonio, a festa do Divino Espírito Santo, o Cortejo Cívico do Dois de Julho e tantos outros eventos ocorridos nos demais bairros e Cidades do Estado tenham sua memória preservada e sua identidade repassada com verdade. Mais do que conhecer a cultura de um povo, é necessário senti-la. É este sentir da cultura que permite preservar e repassar a sua riqueza de dados capazes de reconstruir sempre a história de forma contextualizada e consciente.

Assim, verificamos que vale à pena conhecer o bairro de Santo Antonio e desfrutar do bucolismo e da História imortalizada, seja por meio dos seus casarões e Igrejas datados de séculos passados, seja por meio das narrativas dos seus moradores mais antigos. Conhecer e sentir o bairro de Santo Antônio além do Carmo é mergulhar nas importantes passagens da História da Bahia.

* Ana Carla Nunes: É Graduada em Turismo pela Faculdade da Cidade do Salvador (2008). É Pós Graduada em Docência do Ensino Superior pela Faculdade da Cidade do Salvador (2009). É aluna Especial do Mestrado em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente leciona em algumas instituições de Salvador, fotografa e escreve roteiros de documentários sobre as festas populares da Bahia, desenvolve e executa projetos turísticos, e produz textos e matérias para alguns sites e blogs.

Fonte: Festas Populares da Bahia
Texto e Fotos por: Ana Carla Nunes (acnpereira@hotmail.com)
Revisão Textual: Beatriz Badim (www.quartetoemcyeafins.blogspot.com)
Agradecimentos Especiais: Mayara Brandão, Raquel Ávila, Irmandades do Bairro, Tereza Duque, Ronaldo Macêdo, Ana Paula Ribeiro, Lúcio Mendes, e aos Mestres Sebastião Heber, Eny Kleide e Zilda Paim.

LEITURAS RECOMENDADAS:

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. 318 p.
AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos: guia das ruas e dos mistérios da cidade de Salvador. São Paulo: Martins, 1945.
ARANTES, Antônio Augusto. O que é Cultura Popular? São Paulo: Brasiliense, 2004.
VIANA HILDEGARDES. Calendário de festas populares da Cidade do Salvador. Salvador: EGBA, 1983. 43 p. Publicação da Prefeitura Municipal do Salvador.
VIANNA, Hildegardes. Festas de Santos e Santos festejados. Bahia: Progresso, 1960.
PAIM, Zilda. Relicário Popular. Salvador: Secretaria Cultura e Turismo, 1999. 274
Pithon, Mons. Gilberto Sampaio. A Vida de Santo Antônio e a sua paróquia Além do Carmo, 1ed. Salvador. Bureau, 1998, 351p
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora. 3 ed. Salvador: Progresso, 1955. 348 p.
NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. Dez Freguesias da Cidade do Salvador. Salvador, EDUFBA, 1989.
CARNEIRO, Edson. A Cidade do Salvador: (1549) uma reconstituição histórica. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1954.

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